Krônica com Cá (11): Eu, eu, eu e a nossa rede de narcisos.
Narciso não encontra nem o espelho.
Anda (re)circulando por aí, nessas últimas semanas, uma dentre tantas cartas que Hemingway escreveu para Fitzgerald. É justamente a carta em que ele avalia Tender is the night depois de, chamemo-lo assim, Scott ficar num (1) hiato de nove anos sem escrever, (2) sofrendo as penúrias de uma vida financeira paupérrima, (3) banhado pelo próprio alcoolismo e (4) padecendo (quiçá contribuindo para) a falência absoluta da sanidade mental da sua esposa, Zelda.
A vida dos Fitzgeralds ainda pioraria muito nos próximos anos (Zelda morreu carbonizada num sanatório, Scott pereceu achando que o seu trabalho era um fracasso e que logo seria esquecido), mas ali, em meio a tanto bacubufo no caterefofo, Hemingway foi suave e delicado como a ideia que temos de como ele era: "esqueça sua tragédia pessoal" ele disse, "... você tem que sofrer like hell antes de escrever seriamente. Mas quando você tiver esse maldito sofrimento, use-o, não trapaceie. Seja tão leal a ele quanto um cientista seria – mas não pense que tem alguma importância porque acontece com você ou com alguém próximo".
Que fineza, minha gente. É, para citar o jargão futebolístico, assim que se coloca o Jabaquara em campo.
Coincidentemente, aqui neste diminuto ponto do universo chamado Substack, cairia muito bem essas palavras docinhas do Ernesto ao Francisco.
A arrancou uma nota/reflexão freestyle sobre a autorreferência e o "em-si-mesmamento" que percebe dentro da nossa bolha brasileira aqui neste pontinho laranja. Para usar o único verbo que capta o alcance de um texto que gera barulho: o texto da Vanessa foi ri-bom-ban-te. E essa ribombância toda se deveu ao fato de que quando nos revelam certas verdades incômodas, tendemos a ter um certo chilique bem natural do ser humano, aqui se tornando um chilique opinativo (aqui, ressalto, e não nas águas pútridas das outras redes, que a baixaria corre solta) como reação.
Por exemplo, o , em concordância com a Vanessa, mas gerando uma discordância comigo (saudável, como deveria ser, e como o bem apontou que somos incapazes de digerir), fez questão de salientar que "Uma newsletter não é um diário pessoal". Creio eu que pode ser, e que podemos deixar as newsletters tomarem o caminho que o autor/autora e leitor e leitora acabarem por designar a elas.
Como Louis Stevenson certa vez disse, podemos estar "a brincar em casa, como uma criança, com papel". Entretanto, que me perdoem as leis universais que regem a internet, não vou dar o meu chilique testérico na nota do Christian – oras, desde quando temos tanto tempo de sobra assim?
Mas a reflexão da Vanessa, para mim, vai além. Vai além porque é a constatação de um fato: somos, contemporaneamente, animais que, mais do que enxergar as coisas através da própria subjetividade, como se esta fosse uma lente, só conseguimos enxergar as coisas que experimentamos e, ao mesmo tempo, essas coisas que experimentamos passam a existir somente porque as enxergamos. É um radical e absoluto solipsismo (oh là là, que crônica mais erudita).
Como se Narciso não achasse feio aquilo que não fosse espelho porque nada haveria para além do reflexo do próprio. Complicado.
Mas uma crônica não é lugar para essas coisas eruditas e chãs como a filosofia e vãs como as coisas complexas (ou talvez seja e eu acabe sendo um relativista descoberto, exposto, revelado e denunciado, o famoso em-cima-do-muro).
Tendo sido junho, para mim, uma montanha-russa (começando por baixo e terminando ascendente) emocional e uma torrente de obrigações (introdução da tese de doutoramento, orçamento apertado e Eurocopa rolando), escolho começar julho com essa crônica torta e bem subjetiva, tão freestyle quanto a capacidade de estacionar dos portugueses aqui da terrinha, mas com as palavritas do Ernesto dirigida ao Francisco bem impressas aqui na minha frente: sejamos leais ao sofrimento, mas esqueçamos um tanto da nossa tragédia pessoal.
Eu vou tentar, eu juro que vou tentar fazer isso aí. Mas não garanto nada, pois sou especialista em mim mesma e não tenho interesse em outra coisa que não seja espelho... 😬😜
Valeu pela lembrança!